4 de junho de 2016

Interpretação de texto: A moreninha

A Moreninha, obra publicada em 1844, traz uma história de amor que se passa no Rio de Janeiro, na época do Império, envolvendo três estudantes, uma bela jovem e uma aposta. Os estudantes são Fabrício, Augusto e Leopoldo. Carolina é a Moreninha do título, irmã de Filipe. A aposta: Augusto, inconstante no amor, compromete-se com os amigos a escrever um romance, caso permaneça apaixonado pela mesma mulher por mais de quinze dias. 
O trecho selecionado trata dessa paixão. 




A Moreninha 
Joaquim Manuel de Macedo 

— [...] mas venha cá sr. Augusto, então como é isto?... estás realmente apaixonado?! 
— Quem te disse semelhante asneira?...
— Há três dias que não falas senão na irmã de Filipe e... 
— Ora, viva! quero divertir-me... digo-te que a acho feia, não é lá essas coisas; parece ter mau gênio. Realmente notei-lhe muitos defeitos... sim... mas, às vezes... Olha, Leopoldo, quando ela fala ou mesmo quando está calada, ainda melhor; quando ela dança ou mesmo quando está sentada... ah! ela rindo-se... e até mesmo séria... quando ela canta ou toca ou brinca ou corre, com os cabelos à négligé, ou divididos em belas tranças; quando... Para que dizer mais? Sempre, Leopoldo, sempre ela é  bela, formosa, encantadora, angélica! 
— Então, que história é essa? Acabas divinizando a mesma pessoa que, principiando, chamas-te feia?...
— Pois eu disse que ela era feia? É verdade que  eu... no princípio... Mas depois... Ora! estou com dores de cabeça, este maldito Velpeau!... Que lição temos amanhã? 
— Tratar-se-á das representações de... 
— Temos maçada! Quem te perguntou por isso agora? Falemos de d. Carolina, do baile, do... 
— Eis aí outra! Não acabaste de perguntar-me qual era a lição de amanhã? 
— Eu? Pode ser... Esta minha cabeça!...
— Não é a tua cabeça, Augusto, é o teu coração. 
 Houve um momento de silêncio. Augusto abriu um livro e fechou-o logo; depois tomou rapé, passeou pelo quarto duas ou três vezes e, finalmente, veio de novo sentar junto de Leopoldo. 
— É verdade, disse; não é a minha cabeça: a causa está no coração. Leopoldo, tenho tido pejo de te confessar, porém  não posso mais esconder estes sentimentos que eu penso que são segredos e que todo o mundo mos lê nos olhos! Leopoldo, aquela menina que aborreci no primeiro instante, que julguei insuportável e logo depois espirituosa, que daí a algumas horas comecei a achar bonita, no curto trato de um dia, ou melhor ainda, em alguns minutos de uma cena de amor e piedade, em que a vi de joelhos banhando os pés de sua ama, plantou no meu coração um domínio forte, um sentimento filho da admiração, talvez, mas, sentimento que é novo para mim, que não sei como o chame, porque o amor é um nome muito frio para que o pudesse exprimir!... Eu já não me conheço... não sei onde irá isto parar... Eu amo! ardo! morro! 
— Modera-te, Augusto; acalma-te; não é graça; olha que estás vermelho como um pimentão.

Joaquim Manuel de Macedo. A Moreninha. 34. ed. 
São Paulo: Ática. 2006. p. 108-9

1. No texto lido predomina o diálogo. Que contradições Leopoldo identifica na fala de Augusto?

2. Releia o quarto parágrafo do texto.
a) Que relação a conjunção ou estabelece entre as orações?
b) Por que há tantas ocorrências dessa conjunção nessa fala de Augusto?

3. Explique o comportamento romântico de Augusto a partir dessa análise feita por Leopoldo:
—  Não é tua cabeça, Augusto, é o teu coração.

4. Identifique no diálogo traços de linguagem que indicam a proximidade e intimidade fraternal entre Leopoldo e Augusto.

5. No texto há mais de vinte reticências e mais de dez pontos de exclamação. Explique o efeito de sentido que o autor busca utilizando essa pontuação. 

Características do estilo de época Romantismo

GABARITO

1. Ao mesmo tempo que atribui características negativas à Moreninha, Augusto a elogia, a ponto de provocar a estranheza do amigo:"Acabas divinizando a mesma pessoa que, principiando, chamaste feia?...".

2.
a) Relação de alternância.
b) Augusto deseja expressar que, em qualquer circunstância, a moça o encanta.

3. Para o romântico, o amor é uma questão de coração, de sentimento, não envolve a razão.

4. Expressões coloquiais como:"venha cá", "não é lá essas coisas"; "Olha o Leopoldo"; "Então, que história é essa?". 

5. Essa pontuação expressa o estado emocional das personagens.