Interpretação da Carta de Pero Vaz de Caminha


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Carta de Pero Vaz de Caminha
Pero Vaz de Caminha


[...]
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra [...]. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos. 
Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chá, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz! 
Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. [...]. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitura à terra, indo os navios pequenos diante - por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças - até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras, em frente da boca de um rio. [...]. 
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro. 
Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou a boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte. 
[...] E sexta pela manhã, as oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela. [...]
E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. [...] 
E estando Monso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, foi, por mandado do Capitão, [...] meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou dois daqueles homens da terra que estavam numa almadia: mancebos e de bons corpos. Um deles trazia um arco, e seis ou sete setas [...] Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com muito prazer e festa. 
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber. 
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como de cera, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar. 
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem-vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam- e tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata! 
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. 
Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. 
Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados. 
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitas, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora. 
[...] 

BRASIL: Carta de Pero Vaz de Caminha. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/carta_caminha.htm>

GLOSSÁRIO

achamento: forma que, no século XVI, era mais usada que "descobrimento". 
batel: pequeno barco usado para navegar do navio até a terra e vice-versa. 
braça: antiga medida equivalente à extensão que vai de uma mão aberta à outra, em um adulto com os braços estendidos horizontalmente para os lados. 
confeição: confecção. 
esquife: pequeno barco de mesma utilidade que o batel, porém menor que este. 
haver vista de: avistar. 
horas de véspera: fim da tarde. 
mar de longo: mar ocidental. 
oitavas: período de oito dias durante os quais é celebrada uma festa religiosa. 
prumo: instrumento constituído de uma peça de metal ou de pedra, suspensa por um fio, utilizado para determinar a direção vertical. 
alcatifa: tapete. 
almadia: embarcação comprida e estreita, fabricada com um só tronco de árvore. 
beiço: lábio. 
Capitaina (mesmo que capitânia): em um conjunto de navios, aquele em que se acha embarcado o comandante (capitão). 
corredio: liso. 
coto: objeto de pequenas dimensões. 
de sobre pente: de leve, por alto. 
magoar: ferir, machucar. 
mancebo: jovem, moço. 
mão travessa: medida equivalente à largura da palma da mão. 
míngua: falta. 
obra de: cerca de. 
roque de xadrez: a torre do jogo de xadrez. 
terra chã: terra plana. 
sol posto: pôr do sol. 
solapa: cavidade encoberta, escondida de modo que não se consegue ver. 
tosquiado: que tem o cabelo cortado rente. 
toutiço: parte posterior da cabeça, nuca. 
vergonhas: os órgãos genitais humanos. 

1. A Carta de Pero Vaz de Caminha apresenta trechos descritivos e trechos narrativos. 
a) No trecho citado, que elementos (lugares, pessoas) Caminha descreve ao rei? 
b) Resumidamente, que acontecimentos e ações dos portugueses e dos nativos são narrados? 

Em sua carta ao rei de Portugal, Caminha relata o que os navegantes portugueses viram e fizeram em sua chegada às novas terras. Portanto ela pode ser classificada como relato de viagem. Ao ler um relato de viagem, ficamos conhecendo não só o povo e a cultura do lugar visitado, mas também a visão de mundo daquele que viaja e faz o relato. 

2. A carta do achamento é um dos poucos documentos de que dispomos para saber como foi a chegada dos portugueses às terras que hoje fazem parte do Brasil e como os indígenas os receberam. De acordo com o trecho lido, a frota portuguesa foi recebida com hostilidade?

3. O texto de Caminha revela que os portugueses se surpreenderam com o comportamento dos indígenas e que eles tinham algumas expectativas em relação à nova terra. Escreva as deduções que podem ser confirmadas pelo conteúdo da carta. 

a) A cor da pele dos habitantes da nova terra e o fato de andarem nus chamam a atenção de Pero Vaz de Caminha, que resolve relatar essa observação na carta. 
b) Caminha surpreende-se com a falta de cerimônia dos dois nativos para com o capitão (Cabral), sem imaginar que a hierarquia dos tripulantes portugueses não tinha validade alguma para eles. 
c) O escrivão percebe e valoriza o fato de que os portugueses estão sendo recebidos pelos habitantes do lugar de maneira pacífica, e essa percepção ganha grande destaque em sua carta.
d) O fato de os dois nativos apontarem para o colar de ouro do capitão e para o castiçal de prata é interpretado pelos portugueses como uma possibilidade de que esses minérios pudessem ser encontrados nas novas terras.

4. Você acha provável que os habitantes da nova terra também tenham estranhado o comportamento dos portugueses? Explique sua resposta.

5. Complete a frase no caderno:

Se Caminha estranhou a nudez dos indígenas e sua falta de cerimônia, isso mostra que ele____________________.

a) pertencia a uma cultura em que a nudez era vista com naturalidade, como expressão da beleza humana.
b) pertencia a uma cultura em que a nudez era escondida, cercada de tabus e motivo de vergonha.
c) julgava o comportamento dos nativos pelo ponto de vista dos costumes europeus.
d) tinha consciência de que a cultura europeia não era a única legítima e que outros povos tinham costumes tão válidos quanto os seus - ainda que muito diferentes.


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