Interpretação de texto: Madame Bovary


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Leia, a seguir, um fragmento do romance Madame Bovary. 

[Emma] Sentia-se, de resto, cada vez mais irritada. A idade ia-o tornando pesadão*: à sobremesa divertia-se em cortar as rolhas das garrafas vazias, e, depois de comer, passava a língua pelos dentes; ao engolir a sopa fazia um gorgolejo em cada gole e, como começasse a engordar, os olhos, já por si tão pequenos, pareciam ter subido para as fontes, empurrados pelas bochechas. 
[...] 
Bem no íntimo, contudo, [Emma] esperava um acontecimento qualquer. 
Como os marinheiros em perigo, relanceava olhos desesperados pela solidão da sua vida, procurando, ao longe, alguma vela nas brumas do horizonte. Não sabia qual o acaso, o vento que a impeliria para ela, e qual a praia para onde se sentiria levada; seria chalupa ou nau de três pontes, carregada de angústias ou cheia de felicidade até as bordas? Todas as manhãs, ao acordar, preparava-se para esperar o dia inteiro e aplicava o ouvido a todos os rumores; levantava-se em sobressalto, admirando-se de que tal acaso não surgisse; depois, ao pôr do sol, cada vez mais triste, desejava-se encontrar-se já no dia seguinte. 
A primavera voltou, e Emma sentiu-se afrontada com os primeiros calores, quando as pereiras floriram. 
Logo no começo de julho, passou a contar nos dedos as semanas que faltavam para chegar o mês de outubro, pensando que o Marquês d'Andervilliers daria outro baile em Vaubyessard; mas todo o mês de setembro decorreu sem cartas nem visitas. 
Após o aborrecimento desta decepção, seu coração ficou de novo vazio, recomeçando a série dos dias monótonos. 
Iam, pois, continuar assim, uns após outros, sempre os mesmos, incontáveis, sem surpresas! As outras existências, por mais insípidas que fossem, tinham, pelo menos, a possibilidade do inesperado. Uma aventura trazia consigo, às vezes, peripécias sem fim, o cenário transformava-se. Mas para ela nada surgia, era a vontade de Deus! O futuro era um corredor escuro, que tinha, no extremo, a porta bem fechada. 

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. São Paulo: Abril Cultural, 1970. p. 32. 
Fragmento.
Chalupa: embarcação pequena, movida por remo ou vela. 
* Referência a Carlos, marido de Emma.

QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO

a) Explique por que o narrador afirma que Emma Bovary se sentia cada vez mais irritada depois do casamento. 

b) No segundo parágrafo do fragmento, o narrador estabelece um paralelo entre a situação vivida por Emma e a situação vivida pelos marinheiros em perigo. Qual é esse paralelo? 

c) "A primavera voltou, e Emma sentiu-se afrontada com os primeiros calores, quando as pereiras floriram." Em sua opinião, por que Emma sentiu-se afrontada com a chegada da primavera? 

d) Identifique, no texto, elementos que atestam a monotonia da vida da protagonista. 

e) Você considera o texto detalhista? Justifique sua resposta. 

f) É possível dizer que Emma Bovary gostaria de viver como uma heroína romântica? 

GABARITO