Leia o parágrafo que segue, transcrito de um texto do historiador de arte Jorge Coli.
Os artistas são livres, os artistas devem ser livres. Resta o fato de que nem sempre a repressão e a censura, as pressões e as diretivas, impediram o surgimento de grandes obras de arte. Puderam mesmo ser um estímulo criador. Salvador Dalí costumava dizer que o período áureo da pintura espanhola, o século 17, do absolutismo e da Inquisição, foi o de um Estado tirânico, opressivo, obsessivamente controlador. Com seu espírito de provocação, afirmava que o lugar melhor para as artes do século 20 seria a União Soviética de Stálin: pena porém que os russos não tivessem boa tradição de pintores... É verdade que nada impediu os soviéticos de produzirem algumas dentre as maiores obras-primas do cinema e da música. É verdade também que, em Hollywood, o código Hays, durante decênios impondo o número de minutos que um beijo podia durar ou proibindo a exibição dos umbigos na tela, em meio a um sem-fim de regras perversas, estimulou a imaginação de diretores. Para não tropeçar no moralismo imbecil, eles eram obrigados a encontrar soluções maravilhosas, que não teriam existido sem aquela legislação puritana. A questão da liberdade nas artes é antes ética que estética.
Jorge Coli. As convicções do artista. Folha de S.Paulo, 25/5/2003.