**Gabarito no final**
Que se chama solidão
Chão da infância. Algumas lembranças me parecem fixadas nesse chão movediço, as minhas pajens. Minha mãe fazendo seus cálculos na ponta do lápis ou mexendo o tacho de goiabada ou ao piano; tocando suas valsas. E tia Laura, a viúva eterna que foi morar na nossa casa e que repetia que meu pai era um homem instável. Eu não sabia o que queria dizer instável mas sabia que ele gostava de fumar charutos e gostava de jogar. A tia um dia explicou, esse tipo de homem não consegue parar muito tempo no mesmo lugar e por isso estava sempre sendo removido de uma cidade para outra como promotor.
Ou delegado. Então minha mãe fazia os tais cálculos de futuro, dava aquele suspiro e ia tocar piano. E depois, arrumar as malas.
- Escutei que a gente vai se mudar outra vez, vai mesmo? perguntou minha pajem Maricota. Estávamos no quintal chupando os gomos de cana que ela ia descascando. Não respondi e ela fez outra pergunta: Sua tia vive falando que agora é tarde porque a Inês é morta, quem é essa tal de Inês?
Sacudi a cabeça, não sabia. Você é burra, Maricota resmungou cuspinhando o bagaço. (...)
- Corta mais cana, pedi e ela levantou-se enfurecida: Pensa que sou sua escrava, pensa? A escravidão já acabou!, ficou resmungando enquanto começou a procurar em redor, estava sempre procurando alguma coisa e eu saía atrás procurando também, a diferença é que ela sabia o que estava procurando, uma manga madura? Jabuticaba? Eu já tinha perguntado ao meu pai o que era isso, escravidão. Mas ele soprou a fumaça para o céu (dessa vez fumava um cigarro de palha) e começou a recitar uma poesia que falava num navio cheio de negros presos em correntes e que ficavam chamando por Deus. Deus, eu repeti quando ele parou de recitar. Fiz que sim com a cabeça e fui saindo. Agora já sei.
TELLES, Lygia Fagundes.
Invenção e memória.
1. De acordo com o texto, entende-se que o chão da infância da narradora é marcado:
a) pela incômoda viuvez da tia.
b) pela ausência do pai.
c) pelo convívio com família e pajens.
d) pelo medo da escravidão.
e) pela indiferença das pajens.
2. Entende-se que a relação da narradora com a pajem baseia-se:
a) na tolerância entre elas, embora a narradora quase não consiga conter sua raiva com os descasos da pajem.
b) na tensão entre elas, embora a pajem deva respeito à narradora, pois tem uma relação profissional com a família.
c) na indiferença entre elas, pois tanto a narradora deixa de responder como a pajem deixa de atender-lhe o pedido.
d) na rivalidade entre elas, fato que se comprova pela agressividade da pajem que sonhava estar no lugar da narradora.
e) na proximidade entre elas, pois a pajem, por exemplo, externa seus sentimentos de desagrado, quando se vê incomodada por algo.
3. Na resposta enfurecida da pajem à narradora, repete-se a forma verbal "pensa': Essa resposta permite entender que ela:
a) não pretende mais cortar cana naquele momento.
b) se vê na obrigação de atender ao pedido.
c) está, na verdade, fazendo uma brincadeira.
d) não compreendeu ao certo o que lhe foi pedido.
e) se dispõe a atender ao pedido com prontidão.
4. O texto de Lygia Fagundes Telles apresenta marcas características do projeto literário da autora, ligado à ficção:
a) do realismo fantástico.
b) documentária urbano-social.
c) regionalista.
d) metafísica.
e) intimista e psicológica.
GABARITO
1C - 2E - 3A - 4E