5 de maio de 2019

Lygia Fagundes Telles - Interpretação - Que se chama solidão (Invenção e memória)


**Gabarito no final**

Que se chama solidão 
Chão da infância. Algumas lembranças me parecem fixadas nesse chão movediço, as minhas pajens. Minha mãe fazendo seus cálculos na ponta do lápis ou mexendo o tacho de goiabada ou ao piano; tocando suas valsas. E tia Laura, a viúva eterna que foi morar na nossa casa e que repetia que meu pai era um homem instável. Eu não sabia o que queria dizer instável mas sabia que ele gostava de fumar charutos e gostava de jogar. A tia um dia explicou, esse tipo de homem não consegue parar muito tempo no mesmo lugar e por isso estava sempre sendo removido de uma cidade para outra como promotor. 
Ou delegado. Então minha mãe fazia os tais cálculos de futuro, dava aquele suspiro e ia tocar piano. E depois, arrumar as malas. 
- Escutei que a gente vai se mudar outra vez, vai mesmo? perguntou minha pajem Maricota. Estávamos no quintal chupando os gomos de cana que ela ia descascando. Não respondi e ela fez outra pergunta: Sua tia vive falando que agora é tarde porque a Inês é morta, quem é essa tal de Inês? 
Sacudi a cabeça, não sabia. Você é burra, Maricota resmungou cuspinhando o bagaço. (...) 
- Corta mais cana, pedi e ela levantou-se enfurecida: Pensa que sou sua escrava, pensa? A escravidão já acabou!, ficou resmungando enquanto começou a procurar em redor, estava sempre procurando alguma coisa e eu saía atrás procurando também, a diferença é que ela sabia o que estava procurando, uma manga madura? Jabuticaba? Eu já tinha perguntado ao meu pai o que era isso, escravidão. Mas ele soprou a fumaça para o céu (dessa vez fumava um cigarro de palha) e começou a recitar uma poesia que falava num navio cheio de negros presos em correntes e que ficavam chamando por Deus. Deus, eu repeti quando ele parou de recitar. Fiz que sim com a cabeça e fui saindo. Agora já sei. 

TELLES, Lygia Fagundes. 
Invenção e memória. 

1. De acordo com o texto, entende-se que o chão da infância da narradora é marcado: 
a) pela incômoda viuvez da tia. 
b) pela ausência do pai. 
c) pelo convívio com família e pajens. 
d) pelo medo da escravidão. 
e) pela indiferença das pajens. 

2. Entende-se que a relação da narradora com a pajem baseia-se: 
a) na tolerância entre elas, embora a narradora quase não consiga conter sua raiva com os descasos da pajem. 
b) na tensão entre elas, embora a pajem deva respeito à narradora, pois tem uma relação profissional com a família. 
c) na indiferença entre elas, pois tanto a narradora deixa de responder como a pajem deixa de atender-lhe o pedido. 
d) na rivalidade entre elas, fato que se comprova pela agressividade da pajem que sonhava estar no lugar da narradora. 
e) na proximidade entre elas, pois a pajem, por exemplo, externa seus sentimentos de desagrado, quando se vê incomodada por algo. 

3. Na resposta enfurecida da pajem à narradora, repete-se a forma verbal "pensa': Essa resposta permite entender que ela: 
a) não pretende mais cortar cana naquele momento. 
b) se vê na obrigação de atender ao pedido. 
c) está, na verdade, fazendo uma brincadeira. 
d) não compreendeu ao certo o que lhe foi pedido. 
e) se dispõe a atender ao pedido com prontidão. 

4. O texto de Lygia Fagundes Telles apresenta marcas características do projeto literário da autora, ligado à ficção: 
a) do realismo fantástico. 
b) documentária urbano-social. 
c) regionalista. 
d) metafísica. 
e) intimista e psicológica. 

GABARITO
1C - 2E - 3A - 4E