29 de novembro de 2017

Exercícios sobre literatura de informação (Quinhentismo e Barroco)


O início da literatura brasileira: literatura de informação. 

Quando os portugueses aqui chegaram, depararam com um mundo que lhes parecia em tudo estranho. Em oposição ao regime capitalista mercantil em que viviam, encontraram comunidades em que o trabalho era coletivo e se desconhecia a propriedade privada; ao cristianismo opunham-se as práticas religiosas desconhecidas do homem europeu; ao contrário de uma língua única em que se comunicavam, o português, os descobridores viram-se diante de um aglomerado de línguas locais, com predominância do tupi. 
Havia apenas a cultura oral, transmitida sobretudo pelos pajés e homens mais velhos das tribos. No primeiro século de vida do Brasil, a produção intelectual foi mínima. Mas muita coisa foi escrita sobre o Brasil nesse período, a começar pela carta de Caminha. Escrita por um português, em uma língua que não era a dos nativos, a carta é considerada, no entanto, a "certidão de batismo" do Brasil e inaugura nosso primeiro período literário: a chamada literatura de informação.

1.  A seguir, leia um trecho da carta em linguagem modernizada, em que Caminha comenta o primeiro encontro entre portugueses e indígenas, ocorrido em 23 de abril de 1500.

A carta de Pero Vaz de Caminha 

E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezassete, dezasseis, quinze, quatorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos. 
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro. 
Então lançamos fora os batéis e esquifes; e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do capitão-mor, onde falaram entre si. E o capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte. 
Eram todos pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijamente sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Ali não pôde deles haver fala nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio; e outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar. 

CORTESÃO, Jaime. A carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1947. p. 202.

Glossário

Aljaveira: aljôfar, pérola
Batel: barco
Braça: antiga medida de comprimento, que equivale no Brasil e em Portugal, a 2,2 metros lineares. 
Em direitos á: em direção a
Esquife: pequeno barco, menor que o batel
Fazer vela: navegar
Obra de: cerca de
Ramal: conjunto de fios
Vergonhas: órgãos sexuais humanos


a) Nessa carta, relata-se o primeiro choque cultural que ocorreu entre o europeu e o indígena que habitava as terras que hoje conhecemos como Brasil. O que chocou o europeu? 

b) Compare:
vergonha - desonra 
vergonhas - órgãos sexuais humanos 

Você conhece outros casos de palavras que têm um sentido no singular e outro no plural? Escreva-as  anotando os diferentes sentidos. 
 
c) Releia este trecho: Ali não pôde deles haver fala nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. [...] 

Segundo Caminha, o que impediu que os portugueses ouvissem a fala dos indígenas? 

d) Releia este outro trecho da carta: Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro. 

O termo destacado estabelece uma relação entre os dois períodos. Que relação é essa? Que outras conjunções podem substituir a conjunção destacada sem alterar o tipo de relação? 

Vários viajantes europeus passaram pelo Brasil e fizeram registros sobre a natureza e a vida dos indígenas.
A partir do século XVII, as manifestações literárias no Brasil seguem em paralelo com a literatura portuguesa. Os poucos escritores sofriam influência do que ocorria em Portugal e durante alguns séculos nossa literatura moldou-se pela portuguesa. 

Barroco no Brasil: surge nosso primeiro grande poeta.

O Barroco foi um período artístico marcado por tensões e contrastes. A arte representa o homem nos seus momentos mais conflituosos, cheio de angústia ou em estado de êxtase. Um dos conflitos eternos do ser humano diz respeito à relação entre a matéria e o espírito (corpo e alma). O homem costuma buscar a síntese entre esses dois componentes, de forma a não perder sua condição terrena (a marca do antropocentrismo) nem perder a possibilidade de uma vida divina após a morte (o eixo do teocentrismo). 
Ainda que sofrendo forte influência das questões sociais e existenciais geradas na Europa, a literatura brasileira começa a dar seus primeiros passos e a expressar um pouco a nossa realidade. 
Foi no período do Barroco que surgiu nosso primeiro grande poeta: Gregório de Matos. 

2. Em geral, quando lemos um poema, procuramos observar seu lirismo, seu ritmo e as imagens que ele constrói, mas, no soneto a seguir, de Gregório de Matos, analise a argumentação do eu lírico.

A Jesus Cristo Nosso Senhor.

Soneto 
Gregório de Matos.

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, 
Da vossa alta clemência me despido, 
Porque, quanto mais tenho delinquido, 
Vos tenho a perdoar mais empenhado. 

Se basta a vos irar tanto um pecado, 
A abrandar-vos sobeja um só gemido: 
Que a mesma culpa, que vos há ofendido, 
Vos tem para o perdão lisonjeado. 

Se uma ovelha perdida, e já cobrada 
Glória tal, e prazer tão repentino 
Vos deu, como afirmais na Sacra História, 

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, 
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino, 
Perder na vossa ovelha a vossa glória. 

WISNIK. José Miguel (Org.). Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, [s.d.]. p. 297.

Glossário:
Clemência: bondade; indulgência; disposição para perdoar as ofensas
Cobrar: especificamente nesse texto, tem o sentido de recuperar
Delinquido: cometido faltas graves, pecados
Despido: despeço
Há ofendido: tem ofendido
Hei pecado: tenho pecado (ideia de duração, frequência)
Irar: enfurecer; enraivecer
Lisonjeado: satisfeito; enaltecido
Sobejar: sobrar; exceder os limites do necessário; bastar

a) O poema de Gregório de Matos é um soneto. Explique essa afirmação. 

b) O eu lírico do poema dirige-se a alguém, a um suposto ouvinte. 
⦁ A quem? Que nomes ele utiliza para invocar esse ouvinte?  
⦁ O segundo nome que o eu lírico utiliza para invocar seu ouvinte tem relação com determinado aspecto do poema. Com qual? 

c) O eu lírico confessa-se pecador, pede perdão e apresenta um argumento para ser perdoado. Que argumento é esse? 

d) Na terceira estrofe o eu lírico do poema recorre à Bíblia para sustentar mais um argumento que justifica o perdão divino. Explique essa afirmativa. 

e) O que acontecerá, segundo o eu lírico, caso o "Pastor Divino" (Jesus Cristo) não lhe conceda o perdão? 

Além da poesia religiosa, Gregório de Matos ficou conhecido pela poesia lírico-amorosa e pela poesia satírica. 

3. Leia um poema de cada uma dessas tendências e responda  às questões que seguem. 

A mesma D. Ângela 
Gregório de Matos. 

Anjo no nome, Angélica na cara, 
Isso é ser flor, e Anjo juntamente, 
Ser Angélica flor, e Anjo florente, 
Em quem, senão em vós se uniformara? 

Quem veria uma flor, que a não cortara 
De verde pé, de rama florescente? 
E quem um Anjo vira tão luzente, 
Que por seu Deus, o não idolatrara? 

Se como Anjo sois dos meus altares, 
Fôreis o meu custódio, e minha guarda, 
Livrara eu de diabólicos azares. 

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, 
Posto que os Anjos nunca dão pesares, 
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda. 

DIMAS, Antonio (Org.). Gregório de Matos. São Paulo: Abril Educação, [s.d.]. p.54. Literatura Comentada. 

Glossário:
Angélica: nome feminino; nome de uma flor. A palavra deriva da forma latina angelus, que significa 'anjo'
Custódio: protetor. O custódio é um objeto de metal, utilizado em cerimônias religiosas 
Florente: florido
Luzente: brilhante
Uniformar: uniformizar; tomar uma única forma. (Nesse e em outros verbos do poema, emprega-se o pretérito mais-que-perfeito do indicativo em vez do futuro do pretérito: uniformara em vez de uniformaria; cortara em vez de cortaria, etc. O mesmo tempo substitui o pretérito imperfeito do subjuntivo em fôreis - fosses.) 

a) A dualidade matéria/espírito aparece já no nome da mulher. Explique. 

b) Releia a segunda estrofe, substituindo os verbos ver, cortar e idolatrar pelo futuro do pretérito. Dessa forma fica mais claro que o eu lírico faz duas perguntas nessa estrofe. Ele espera respostas a essas perguntas ou são perguntas retóricas? Explique sua resposta. 

c) Angélica, sendo flor e anjo, simboliza as duas grandes entidades em oposição na mente do homem barroco. Quais? 

d) Na última estrofe, Angélica é uma síntese de opostos. Explique. 

Pica-flor 
A uma freira que, satirizando a delgada fisionomia do poeta, chamou-lhe de "Pica-Flor". 

Gregório de Matos

Se Pica-Flor me chamais, 
Pica-Flor aceito ser, 
mas resta agora saber, 
se no nome, que me dais, 
meteis a flor que guardais 
no passarinho melhor! 
Se me dais este favor, 
sendo só de mim o Pica, 
e o mais vosso, claro fica, 
que fico então Pica-Flor. 

WISNIK, José Miguel (Org.). Poemas escolhidos. São Paulo: Cultrix, [s.d.]. p. 261. 

O erotismo é um tema universal na literatura e em outras artes. Há inúmeros exemplos de obras de arte de grande qualidade assentadas no erotismo, que não se confunde com a pornografia. (A palavra erotismo deriva de "Eros", nome dado pelos gregos ao deus do amor.) 
A Bíblia traz inúmeras passagens em que predomina o tom erótico, especialmente no livro Cântico dos cânticos. 
No poema de Gregório de Matos, o erotismo adquire sentidos picantes pelo contexto de produção do poema, que, como se sabe, foi a resposta à religiosa que o apelidou de Pica-Flor. 


4. Leia a questão que o vestibular da UFU/Paies-MG formulou sobre o poema e analise as alternativas. 

Gregório de Matos, valendo-se do deboche, do riso e da extroversão, faz no poema acima um jogo com as palavras e as ideias.
Após a leitura do poema, indique se as afirmativas abaixo são (V) verdadeiras ou (F) falsas. 

a) A começar pelo título, que menciona a expressão "delgada fisionomia", o contexto do poema aponta Pica-Flor como sinônimo de beija-flor. 
b) Pica e flor são termos empregados para sugerir, respectivamente, os órgãos genitais masculino e feminino. 
c) O poeta aceita o apelido de Pica-Flor e exalta a pureza da freira, chamando-a de "flor", metáfora usada para as moças bondosas e puras. 
d) O verso "Se me dais este favor" refere-se ao apelido criativo que a freira dá ao poeta, pois, de fato, sua fisionomia lembra a de um beija-flor. 

Outro nome importante de nossa literatura barroca é o do Padre Antônio Vieira, que se tornou célebre pelos seus sermões, que buscavam arrebatar o ouvinte para despertar sua consciência, convidando-o a pensar e a agir de acordo com os princípios da ética cristã. Vieira geralmente estabelecia comparações entre questões do tempo e local em que pregava e o conteúdo da Bíblia.