1 de agosto de 2018

Interpretação - vestibulares - exercícios para treinar


A BANALIDADE DO MAL

Muito se ouve, se fala e se sente acerca da violência. O ódio se encontra disseminado, como se não fosse possível habitar o mesmo espaço do outro que pensa e age diferente. A violência institucional do Estado prolifera. Contudo, as práticas sociais agressivas não se resumem à tradicional oposição Estado versus sociedade. Entre cada indivíduo das comunidades, dos bairros, dos mesmos transportes públicos, ronda o fantasma da violência.
Certamente, as causas desses fenômenos são múltiplas, talvez tanto quanto o são suas ocorrências. Sofrem mais do dinamismo da continuidade do que das rupturas. Apesar das várias facetas sob as quais poderíamos analisar a violência estrutural, há certos mecanismos e estratégias que se repetem. Como funcionam? Mais ainda: quais funções e dispositivos de manutenção dessas práticas se atualizam no mundo do trabalho, na sociabilidade desigual e na urbanidade precária?
A continuidade, permanência e sofisticação dos modos da violência poderiam ser sintetizadas, na experiência brasileira, em duas formas fundamentais e dominantes: o racismo e o machismo. O país cordial e democrático, em seu cotidiano, tem três mulheres assassinadas por dia. E a maioria das vítimas é composta de mulheres negras. Se o normal é a violência, o racismo e o machismo, de que modo a mulher ou o jovem negro podem experimentar uma autodefinição de sua existência, condição necessária para repensar o quadro de violência?
A Constituição de 1988 seria a promessa de novas práticas, da produção de sujeitos universais – interrompendo a história de vitimizações contínuas de mulheres, índios, idosos, adolescentes, quilombolas, trabalhadores. A nova lei, legitimada na fundamentação futura de uma outra vida, seria a redenção para esses sujeitos.
Porém, com a narrativa de construção do Estado de direito, soberano, centralizado, formado pelos “brasileiros”, subjaz franco e atuante, ainda que silencioso e rasteiro, o discurso do conflito, do inimigo, das lutas que continuam, que permanecem constitutivas da existência do país. Os vivas à democracia, à Constituição, às leis e à ordem convivem com o ódio ao outro via racismo agressivo, preconceito contra o nordestino, dentre outros.
A ideia de sermos um único sujeito, o brasileiro alegre e complacente, convive com a prática da diferença não tolerada, com a consideração do outro, do estranho, do estrangeiro, como aquele que não é “nós”. A produção do outro e, portanto, a continuidade histórica da violência se devem, em grande medida, à persistência e ao incremento do racismo e do machismo, autorizando a agressão física ou moral.
Qualquer saída para essa situação somente terá alguma possibilidade de efetivação sob políticas, atos e afetos de respeito às mulheres, aos jovens negros e aos que não têm posses, pois são essas as subjetividades e as sociabilidades que são alvos das estruturas violentas.

EDSON TELES
Adaptado de diplomatique.org.br, 18/09/2017

1. No texto, o autor discute o fenômeno de disseminação do ódio entre as pessoas. Para ele, essa disseminação é autorizada pelo seguinte aspecto social:

(A) garantia de direitos às minorias
(B) centralização do poder no Estado
(C) produção de inimigo a ser combatido
(D) redução de estratégias de repressão

2. Na exposição dos fatos que analisa, o autor apresenta expectativas que considera frustradas. Um recurso linguístico empregado para marcar essa quebra de expectativas é:

(A) termo assertivo em “Certamente, as causas desses fenômenos são múltiplas,” 
(linha 6)
(B) expressão enfática em "Mais ainda: quais funções e dispositivos de manutenção dessas práticas se atualizam” (linhas 9-10)
(C) sequência gradativa em “A continuidade, permanência e sofisticação dos modos da violência” (linha 11)
(D) tempo verbal em “A Constituição de 1988 seria a promessa de novas práticas,” (linha 17)

3. Contudo, as práticas sociais agressivas não se resumem à tradicional oposição Estado versus sociedade. Entre cada indivíduo das comunidades, dos bairros, dos mesmos transportes públicos, ronda o fantasma da violência. (linhas 3-5) 
A frase sublinhada expressa, em relação à anterior, o sentido de:

(A) confirmação
(B) relativização
(C) correção
(D) negação

4. Para desenvolver seu argumento, o autor emprega a metalinguagem em:

(A) O ódio se encontra disseminado, como se não fosse possível habitar o mesmo espaço do outro (linhas 1-2)
(B) a mulher ou o jovem negro podem experimentar uma autodefinição de sua existência, (linhas 15)
(C) a consideração do outro, do estranho, do estrangeiro, como aquele que não é “nós”. (linhas 27-28)
(D) são essas as subjetividades e as sociabilidades que são alvos das estruturas violentas. (linhas 32-33)

RESPOSTAS

1C - 2B - 3A - 4C