O meu olhar é nítido como um girassol
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de
acordo.
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que
ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
CAEIRO, Alberto. O meu olhar é nítido como um girassol. In: PESSOA, Fernando. Poesia: Alberto Caeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 26.
1. Identifique a temática desenvolvida no poema.
2. Relacione essa temática à poesia de Alberto Caeiro.
3. Explique o sentido de "pasmo", presente no verso "Sei ter o pasmo comigo".
4. Interprete o verso" pensar é estar doente dos olhos", considerando o contexto do poema.
5. Aponte duas características marcantes da escrita de Alberto Caeiro e identifique-as no poema.
Gabarito
1. O poema desenvolve a ideia de que os olhos são os órgãos responsáveis pela apreensão direta e sensível do mundo, a qual deve basear-se principalmente no empirismo, ou seja, na experiência e na observação.
2. O poema apresenta a temática característica de Alberto Caeiro, que, segundo a biografia criada por Fernando Pessoa, teve apenas instrução primária e viveu sempre muito próximo à natureza. O poema, relacionado ao universo bucólico, apresenta uma lógica bastante objetiva e mediada pelas sensações.
3. "Pasmo" pode ser compreendido como a admiração e o encantamento decorrentes da incessante descoberta da novidade do mundo. Trata-se de uma abstração, relacionada à ideia de Caeiro de que o mundo se renova a cada novo olhar lançado sobre ele.
4. O verso condensa a perspectiva de Caeiro sobre a vida, pautada pela eterna descoberta do mundo. Em sua perspectiva, a relação com a vida deve ser simples e prescindir de racionalização. Daí a ideia de que os olhos são os órgãos responsáveis pela apreensão direta do mundo.
5. As características são o bucolismo, presente em versos como" O meu olhar é nítido como um girassol" e "Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, / Mas porque a amo, e amo-a por isso", e o empirismo, presente em "Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... ".