25 de março de 2020

Conto fantástico - Interpretação com gabarito 8ºano “Demônios”, do escritor brasileiro Aluísio Azevedo


O texto abaixo é um trecho do conto fantástico “Demônios”, do escritor brasileiro Aluísio Azevedo. A história começa com o narrador contando que tinha acordado com a sensação de já ter descansado bastante, mas ainda estava completamente escuro. Ele começa a estranhar a situação e a perceber uma noite especialmente quieta e escura. O narrador decide, então, trabalhar e começa a escrever cada vez mais rápido, em um ritmo meio delirante. Leia-o com atenção para responder às questões.

**Gabarito no final**

Demônios

De repente acordo desta vertigem, como se voltasse de um pesadelo estonteado, com o sobressalto de quem, por uma briga de momento, se esquece do grande perigo que o espera. Dei um salto da cadeira; varri inquieto o olhar em derredor. Ao lado da minha mesa havia um monte de folhas de papel cobertas de tinta; as velas bruxuleavam a extinguir-se e o meu cinzeiro estava pejado de pontas de cigarro.
Oh! muitas horas deviam ter decorrido durante essa minha ausência, na qual o sono agora não fora cúmplice. Parecia-me impossível haver trabalhado tanto, sem dar o menor acordo do que se passava em torno de mim.
Corri à janela.
Meu Deus! O nascente continuava fechado e negro; a cidade deserta e muda. As estrelas tinham empalidecido ainda mais, e as luzes dos lampiões transpareciam apenas, através da espessura da noite, como sinistros olhos que me piscavam da treva.
Meu Deus! Meu Deus, que teria acontecido?!...
Acendi novas velas [...] Conchei a mão contra o ouvido e fiquei longo tempo a esperar inutilmente que do profundo e gelado silêncio lá de fora me viesse um sinal de vida.
Nada! Nada!
[...]
Atônito e ansioso volvi os olhos para o espaço. As estrelas, já sem contornos, derramavam-se na tinta negra do céu, como indecisas nódoas luminosas que fugiam lentamente.
Meu Deus! meu Deus, que iria acontecer ainda?
Voltei ao quarto e consultei o relógio. Marcava dez horas.
Oh! Pois já dez horas se tinham passado depois que eu abrira os olhos?... Por que então não amanhecera em todo esse tempo!... Teria eu enlouquecido?...
Já trêmulo, apanhei do chão as folhas de papel, uma por uma; eram muitas, muitas! E por melhor esforço que fizesse, não conseguia lembrar-me do que eu próprio nelas escrevera.
Apalpei as fontes; latejavam. Passei as mãos pelos olhos, depois consultei o coração; batia forte.
[...]
Abri todas as janelas do quarto, em seguida a porta, e chamei pelo criado. Mas a minha voz, apesar do esforço que fiz para gritar, saía frouxa e abafada, quase indistinguível.
Ninguém me respondeu, nem mesmo o eco.
Meu Deus! Meu Deus!
[...]
E o céu era cada vez mais negro, e as estrelas cada vez mais apagadas, como derradeiros e tristes lampejos de uma pobre natureza que morre!
Meu Deus! Meu Deus! O que seria?
Enchi-me de coragem; tomei uma das velas e, com mil precauções para impedir que ela se apagasse, desci o primeiro lance de escadas.
A casa tinha muitos cômodos e poucos desocupados. Eu conhecia quase todos os hóspedes. [...]
E corri aos quartos, e já sem bater fui arrombando as portas que encontrei fechadas. A luz da minha vela, cada vez mais lívida, parecia, como eu, tiritar de medo.
Oh! que terrível momento! Que terrível momento! Era como se em torno de mim o Nada insondável e tenebroso escancarasse, para devorar-me, a sua enorme boca viscosa e sôfrega. Por todas aquelas camas, que eu percorria como um louco, só tateava corpos enregelados e hirtos.
Não encontrava ninguém com vida; ninguém! Era a morte geral! A morte completa! Uma tragédia silenciosa e terrível, com um único espectador, que era eu. [...]
Percorri os outros andares da casa: Sempre o mesmo abominável espetáculo!
Não havia mais ninguém! Não havia mais ninguém! Tinham todos desertado em massa!

AZEVEDO, Aluísio. Os melhores contos fantásticos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 605-630. (Fragmento).

GLOSSÁRIO
Vertigem: delírio, perturbação.
Derredor: ao redor.
Pejado: carregado, cheio. 
Nódoas: manchas. 
Lívida: pálida, fraca. 
Desertado: deixado de existir. 

Questão 1
Copie do texto dois trechos em que fique evidente a presença de elementos fantásticos.

Questão 2
Releia estes trechos.

“Nada! Nada!”
“Meu Deus! Meu Deus!”
“Meu Deus! Meu Deus! O que seria?”
“Não encontrava ninguém com vida; ninguém!”
“Não havia mais ninguém! Não havia mais ninguém!”

Repetições como essas são frequentes no trecho do conto. Explique qual a função delas no texto.

Questão 3
Gradação é a figura de linguagem em que as ideias são organizadas de forma crescente em direção a um clímax. Copie a graduação presente neste trecho e explique qual é o efeito de sentido produzido pelo seu uso nesse momento.

“Não encontrava ninguém com vida; ninguém! Era a morte geral! a morte completa! Uma tragédia silenciosa e terrível, com um único espectador, que era eu.”

Questão 4
Releia mais um trecho.

“Oh! Pois já dez horas se tinham passado depois que eu abrira os olhos?... Por que então não amanhecera em todo esse tempo!... Teria eu enlouquecido?...”

Assinale a alternativa em que as reticências são usadas pelo mesmo motivo que nesse trecho. 
a) “— Uma vez no poder, podem facilmente alijar os políticos profissionais... e os coronéis de... de... 
quero dizer, os coronéis honorários.” (Erico Verissimo)
b) Nas férias vamos para a... praia!
c) “E vou começar [...] pelo Demétrio Magnoli. Por que você defende o não?”
d) “É canto funeral!... Que tétricas figuras!...   Que cena infame e vil...” (Castro Alves)

Questão 5
Releia este trecho e observe.

“Voltei ao quarto e consultei o relógio.”

A mesma relação estabelecida pela conjunção e na frase acima pode ser encontrada em:
a) “De repente acordo desta vertigem, como se voltasse de um pesadelo estonteado” 
b) “Ninguém me respondeu, nem mesmo o eco”
c) “Mas a minha voz, apesar do esforço que fiz para gritar, saía frouxa e abafada”
d) “não conseguia lembrar-me do que eu próprio nelas escrevera”