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Leia o conto “A menina sem palavra”, de um dos mais importantes autores africanos contemporâneos e responda às questões.
A menina sem palavra
(segunda estória para a Rita)
A menina não palavreava. Nenhuma vogal lhe saía, seus lábios se ocupavam só em sons que não somavam dois nem quatro. Era uma língua só dela, um dialecto pessoal e intransmixível? Por muito que se aplicassem, os pais não conseguiam percepção da menina. Quando lembrava as palavras ela esquecia o pensamento. Quando construía o raciocínio perdia o idioma. Não é que fosse muda. Falava em língua que nem há nesta actual humanidade. Havia quem pensasse que ela cantasse. Que se diga, sua voz era bela de encantar. Mesmo sem entender nada as pessoas ficavam presas na entonação. E era tão tocante que havia sempre quem chorasse.
Seu pai muito lhe dedicava afeição e aflição. Uma noite lhe apertou as mãozinhas e implorou, certo que falava sozinho:
— Fala comigo, filha!
Os olhos dele deslizaram. A menina beijou a lágrima. Gostoseou aquela água salgada e disse:
— Mar...
O pai espantou-se de boca e orelha. Ela falara? Deu um pulo e sacudiu os ombros da filha. Vês, tu falas, ela fala, ela fala! Gritava para que se ouvisse. Disse mar, ela disse mar, repetia o pai pelos aposentos. Acorreram os familiares e se debruçaram sobre ela. Mas mais nenhum som entendível se anunciou.
O pai não se conformou. Pensou e repensou e elabolou um plano. Levou a filha para onde havia mar e mar depois do mar. Se havia sido a única palavra que ela articulara em toda a sua vida seria, então, no mar que se descortinaria a razão da inabilidade.
A menina chegou àquela azulação e seu peito se definhou. Sentou-se na areia, joelhos interferindo na paisagem. E lágrimas interferindo nos joelhos. O mundo que ela pretendera infinito era, afinal, pequeno? Ali ficou simulando pedra, sem som nem tom. O pai pedia que ela voltasse, era preciso regressarem, o mar subia em ameaça.
— Venha, minha filha!
COUTO, Mia. A menina sem palavra. In: COUTO, Mia. A menina sem palavra: histórias de Mia Couto. São Paulo: Boa Companhia, 2013. p. 89-94.
Mia Couto (1955-)
Mia Couto é o escritor moçambicano mais traduzido e divulgado no exterior e um dos mais conhecidos em Portugal. Em 2013, recebeu o Prêmio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa. A obra de Mia Couto traz narrativas inspiradas na linguagem oral e a influência do escritor brasileiro Guimarães Rosa.
1. Quem são os personagens principais desse conto?
2. Logo no início do conto, o narrador apresenta uma característica importante da menina. Que característica é essa?
3. Que situação apresentada no trecho rompe com o equilíbrio inicial do conto, introduzindo um conflito?
4. O pai decide levar a menina para ver o mar. Sobre isso, responda às questões:
a) O que teria motivado o pai a levar a menina para ver o mar?
b) Qual foi a reação da menina diante do mar?
c) Como o pai se sentiu diante da reação da filha ao ver o mar? O que ele fez para reverter essa situação?
d) Como última estratégia para animar a menina, o pai começa a contar uma história a ela. Qual foi o resultado disso?
5. Considere o desfecho do conto para responder às questões a seguir.
a) Os acontecimentos na praia fazem parte da realidade vivida pelos personagens do conto ou são fruto da imaginação deles?
b) Qual trecho do texto comprova a sua resposta ao item anterior? Escreva-o.
6. O conto é narrado em primeira ou em terceira pessoa? Como você concluiu isso?
7. A maioria das falas ocorre por meio do discurso direto ou indireto? Explique.