10 de fevereiro de 2024

Crônica 8º e 9º anos - Elementos da narrativa "Emergência" Luis Fernando Verissimo


Emergência
Luis Fernando Verissimo

É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
— Bom dia...
— Como assim?
Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado:
— Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto.
Comenta, com um falso riso descontraído: “Até aqui, tudo bem”. O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
— Obrigado. Não bebo.
Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar voo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela.
Mas o pior está por vir. De repente, ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz.
“Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás.”
— Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência.
Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
— Isto é apenas rotina, cavalheiro.
— Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai, meu santo.
“No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos.”
— Que história é essa? Que despressurização? Que cabina?
“Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente.”
— Respirar normalmente? A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças — e ele quer que a gente respire normalmente?
“Em caso de pouso forçado na água...”
— O quê?!
“... os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e...”
— Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes!
— Calma, cavalheiro.
— Eu desisto! Parem este troço, que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
— Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
— Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul.
— Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.
— Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
— Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
— É que o banco flutuante é demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
A aeromoça diz que vai lhe trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo:
— Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo o que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração.
De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.
— Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de...
Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
— Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!

VERISSIMO, Luis Fernando. Mais comédias para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 75-77

descarnado: sem corpo.
de bordo: que fica no interior da aeronave.
despressurização: ato de interromper a pressurização, ou seja, a pressão regular mantida artificialmente em espaço fechado em grandes altitudes (por exemplo, a cabine de uma aeronave).
cabina: cabine; compartimento dos aviões onde viajam os passageiros.
compartimento: cada divisão de um móvel, de um imóvel, etc.
acionar: fazer funcionar, pôr em movimento.
suprimento: reserva necessária.
cabina do piloto: cabine de pilotagem; compartimento fechado dos aviões onde viajam os pilotos e copilotos, no qual se localizam os instrumentos de controle e de navegação aérea.

1. A crônica é uma narrativa, geralmente breve, que trata de acontecimentos atuais e/ou cotidianos, com uma linguagem simples, agradável e, por vezes, bem-humorada, buscando aproximar o leitor do assunto tratado e opondo-se ao rigor das manchetes, notícias, reportagens e dos editoriais que fazem parte dos jornais. Desse modo, identifique qual é o assunto dessa crônica e explique a relação que ele tem com o título "Emergência". 

2. Descreva a reação do passageiro de primeira viagem quando o avião está parado, quando ganha velocidade para levantar voo e no momento em que está no ar. 

3. O que levou o passageiro a perder totalmente o controle? Por quê?

4. Quem narra os fatos da crônica?
a) O passageiro do lado.
b) A aeromoça.
c) O narrador-personagem (1ª pessoa).
d) Um narrador-observador (3ª pessoa).

5. O texto é organizado de forma que fique evidente que o passageiro não está acostumado com esse tipo de transporte pois é a primeira vez que viaja de avião. Marque as alternativas com as falas do personagem que comprovem essa afirmação.
a) — Odeio a rotina.
b) — Parem este troço, que eu vou descer.
c) — Onde é a cordinha?
d) — Vocês estão me escondendo alguma coisa.
e) — Olha para a frente, Araújo!

6. A qual tipo de transporte ele está acostumado. Explique sua resposta. 

7. Em seu momento de desespero o passageiro agarra o pescoço do passageiro ao lado dizendo que ele “[...] parece consternado e azul”. Qual palavra pode ser utilizada no lugar de consternado sem interferir no sentido da frase?

8. Analise os trechos abaixo e marque a (s) alternativa (s) adequada (s) no que diz respeito à linguagem. 

“No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos.”
[...]
“Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente.”

a) Mais monitorada, mais cuidada.
b) Clara e espontânea.
c) Com o uso de termos técnicos.
d) Objetiva.
e) Com o uso de termos do dia a dia.

9. Identifique e explique se a afirmação abaixo é verdadeira ou falsa. 

Uma das características de textos do gênero crônica está no fato de que são textos marcados temporalmente, por tratarem de fatos do cotidiano e datados; por isso, muitas vezes, são textos de vida curta. Essa crônica, no entanto, apresenta uma abordagem atemporal.

10. Toda narrativa é estruturada pelos seguintes elementos: personagens, ações/enredo, espaço, tempo e narrador. Complete a tabela.


Atividade para baixar e gabarito